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Sertão: Restauração da terra e sustentabilidade no semiárido


Sertanejos mostram que é possível restaurar a terra devastada e conviver com o semiárido
A inspiração do cantador vem da paisagem. Mas cantar o quê, se a paisagem sumiu? Em Irauçuba, no norte do Ceará, a Caatinga foi devastada ao longo de décadas. E, quando nem essa vegetação resiste, o que sobra é o vazio.
“A gente pensa que as pedras estão aparecendo no terreno e, lamentavelmente, o que nós temos é a terra sendo levada pela erosão. Ao tirar a cobertura do solo de forma laminar, ou seja, são camadas que estão saindo como se fosse um lençol que eu estivesse puxando da terra, começo a mostrar o que está embaixo da terra”, diz Francisco Campello, diretor técnico da Fundação Araripe.
A terra transformada em chão duro, quase pedra. O tom desbotado mostra que o solo já perdeu os nutrientes. A vida não brota mais aqui, e dia após dia esse chão vai sendo ressecado pelo sol e levado pelo vento. Nem a chuva traz alívio. Nessas condições, a terra é arrastada facilmente pela força da água. Tudo isso tem um nome assustador e que já diz tudo: desertificação.
Irauçuba faz parte do chamado núcleo crítico de desertificação no Brasil, junto com regiões do Piauí, Rio Grande do Norte e Pernambuco.
“A gente começa a ver feridas no solo, que são justamente essas clareiras, e a tendência dessas feridas, infelizmente, é aumentar”, diz Francisco Campello.
Mas, sem sair de Irauçuba, é possível ver o contraste com a vida onde a Caatinga continua em pé.
“Aquele olhar de que a Caatinga é pobre… Quem olha aqui acha que está tudo seco, tudo ruim. A gente já superou uma situação que era combater a seca. Hoje a gente tem consciência de que a seca é um comportamento ambiental como o inverno. Quem vive nos países frios se prepara para o inverno. A gente vivia num país onde a seca ocorre e vivia querendo combatê-la. Hoje estamos falando de uma convivência sustentável com a semi-aridez, com a seca.”
Na Caatinga, os dois significados da palavra “sustentável” ficam bem evidentes. O primeiro é sustentar a natureza e tudo o que a gente vê ao redor. O segundo é que essa natureza sustenta todo mundo.
Sertanejos mostram que é possível restaurar a terra devastada e conviver com o semiárido
Reprodução
O agricultor Vinícius de Sousa tem certeza disso. Aprendeu a produzir sem derrubar as árvores.
“Daqui mesmo, da Caatinga, é que está sustentando não só a mim, mas várias famílias da nossa comunidade de Mandacaru. Nós tiramos toda a renda, o sustento, daqui mesmo, do nosso solozinho”, disse Vinícius.
As vaquinhas de Vinícius estão sempre mastigando. “Agora elas estão de bucho cheio, mas quando solta de tarde, de noite, passam o dia inteiro andando e comendo”, conta.
Onde nossos olhos veem uma paisagem seca, o gado vê comida em toda parte — nas árvores, a meia altura, e nas folhas secas do chão. A Caatinga fornece cerca de 50 espécies de vegetais por hectare.
“Aqui também a gente percebe que essa diversidade faz com que o animal possa pastar como se fosse em um supermercado ambiental. Ele tem 50 prateleiras onde pode ir buscando a comida”, disse Francisco.
É por isso que Francisco não pode ver árvore no chão. O solo transformado em uma imensa mancha branca dói ainda mais em quem conhece a riqueza desse ambiente. Foi daí que nasceu um projeto para combater a desertificação. Contra o abandono, o recaatingamento.
Nos viveiros da Fundação Araripe, a terra é acariciada e retribui. Jauro ensina o que já pratica há muito tempo. Ouviu críticas quando disse que iria transformar a terra seca do quintal em um pomar.
“Esse chão era assim, limpo, deserto, como elas chamam: deserto. Eu comecei a cercar e comecei a plantar. ‘Rapaz, tu é doido’. Começaram a dizer que eu estava ficando doido, que isso aí não produzia nada, que era terra branca. Eu disse: rapaz, vou arriscar”, disse o agricultor Jauro Rodrigues de Araújo.
Deu certo porque ele preferiu ouvir os elogios — dos passarinhos e da própria terra. Essa cobertura vegetal, chamada de serrapilheira, é um sinal importante de que o solo está saudável.
“O que dá vida à terra é isso aí. É que nem nós: o que ajuda é a roupa. E se a gente não tivesse roupa pra andar no sol? Por que a planta solta folha? Pra se proteger. A planta solta folha pra cobrir o pé dela. Isso aqui é a roupa da planta”, afirma Jauro.
Sendo assim, a terra do Jauro está bem vestida — tão elegante quanto o topo das árvores, cheias de coco, limão, banana e mamão. Se aqui embaixo da folhagem o pomar parece um oásis, do alto é a própria imagem de um.
“Tiro, graças a Deus. Tá com três anos. Tira até o chapéu pra Deus ver melhor… Deus vê tudo, né? E ele ajuda muito, muito bem. Essa semana acabei de tirar uma safra de acerola. Todo dia, ou dia sim, dia não, é cem reais”, conta o agricultor.
Boa ideia se espalha rápido. Vizinhos já fizeram pomar também, e essa se tornou uma das áreas mais verdes de Irauçuba.
Mas esse é um título que seu José Marcelino não quer perder. Aos 82 anos, ele guarda o passo rápido de quem conhece todos os caminhos. É um dos moradores mais antigos da região.
Na década de 1960, participou da construção do açude. “Graças a Deus ele não seca, não. Ele é grande, são seis quilômetros de água”, disse.
Seu Marcelino não descansou desde então. Cuidou da terra construindo pequenas barragens e esses gigantescos cordões de pedra para combater a erosão — porque, no semiárido, quando a chuva vem, vem forte.
“A função dela é conter o que vem do solo. Passa aqui a água… Essa barra da saia dela serve pra diminuir a velocidade da água, e essa velocidade, quando diminui, faz com que ela se infiltre no solo”, explica Karina Braga, técnica em meio ambiente da Fundação Araripe.
Será que um fiozinho de pedra faz tanta diferença? A resposta está no contraste com outras regiões onde ele não existe. Mas o esforço dos homens e mulheres do sertão aos poucos vai mudando a paisagem. Conservando. Restaurando.
Criatividade nunca faltou por aqui — para lidar com a natureza ou com a palavra. Quando uma renasce, a outra vai brotando também. No fundo, seja em silêncio ou na voz do cantador, o sertão é uma imensa poesia.

Fonte

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