×
Noticias G1

Mestres da cultura transformam as tradições em patrimônio no Cariri


Conheça mais sobre os museus orgânicos do Cariri cearense
Nos 29 municípios da região do Cariri, no Ceará, fé, tradição e sabedoria popular se misturam como ingredientes de um prato bem temperado. É nesse cenário que surgem os museus orgânicos — espaços vivos que guardam a memória de mestres da cultura popular. Lugares que preservam suas raízes e resgatam a memória de todo um povo, os Kariris.
Criado pelo Sesc Ceará em parceria com a Fundação Casa Grande, o projeto ressignifica as casas desses mestres, transformando seus espaços de vida e criação em locais abertos ao público. São 17 museus espalhados por oito cidades do Cariri, que juntos representam mais de 70% dos museus orgânicos do estado. Eles estão em Barbalha, Crato, Juazeiro do Norte, Missão Velha, Nova Olinda, Porteiras, Potengi e Santana do Cariri.
✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Ceará no WhatsApp
Cada museu é único. E cada mestre, um capítulo vivo da história cearense.
Nesta série de reportagens vamos conhecer um pouco de cada um dos museus orgânicos caririenses. A primeira reportagem traz os mestres brincantes, tesouros vivos do Ceará — título concedido a mestres da cultura popular reconhecidos oficialmente — que fazem da arte, da dança e da música, um caminho para perpetuar todo um legado. Confira:
Museus orgânicos no Cariri, Ceará
Louise Dutra/Sistema Verdes Mares
O terreiro virou palco: Mestre Aldenir e o reisado que atravessa gerações
Mestre Aldenir, de 92 anos, comanda o Reisado dos Reis de Congo, no Crato (CE).
Arquivo pessoal
No Crato, o som das espadas e o colorido das fantasias anunciam o Reisado dos Reis de Congo. Aos 92 anos, Mestre Aldenir ainda comanda o grupo com a mesma energia de quando começou, há sete décadas. O terreiro de sua casa virou o Museu Casa de Mestre Aldenir em 2024. É no espaço que crianças e adolescentes ensaiam para os cortejos culturais que tomam as ruas do Cariri.
“Ver os colegas, os amigos, isso é muito bom. Dá até um frio na barriga. A gente fica com o coração e a alma muito alegres”, conta o mestre, com brilho nos olhos a cada apresentação.
Nos cortejos as ruas se enchem de cores, de sons que aquecem o coração de quem vê os grupos culturais passando.
É na casa de Mestre Aldenir que crianças e adolescentes ensaiam para os cortejos culturais.
Arquivo pessoal
“Pelo menos uma vez por ano o Sesc traz para a rua esses mestres da cultura para encher o coração das pessoas com o orgulho de ser Cariri, de saber que o povo da cultura é forte, que é tradição. A gente tá aqui para valorizar e para manter esse espírito da cultura viva”, explica a diretora de programação social do Sesc, Sabrina Veras.
O legado de mestre Aldenir já tem sucessor: Jefferson dos Santos, neto e contramestre que promete manter viva a tradição. “A cultura sai de dentro da gente. Tem um sabor de alegria, como vô fala, a cultura sai de dentro da gente. É gostoso ter esse amor”, diz ele, emocionado.
Dança, fé e cura: Mestra Zulene, a rezadeira que ensina brincando
No terreiro, Mestre Zulene ensina às crianças tudo o que aprendeu desde pequena.
Fabiane de Paula/Sistema Verdes Mares
Na Vila Novo Horizonte, também no Crato, mora Mestra Zulene Galdino. Aos 76 anos, ela dança Maneiro Pau, quadrilha junina e lapinha — e ainda encontra tempo para rezar pelos que chegam em busca de cura. “Não sou doutora, sou uma simples rezadeira. Eu agradeço muito porque as pessoas chegam aqui e já saem felizes porque melhoraram”, diz, com humildade.
Desde 2019, a casa de Mestra Zulene virou museu orgânico. No terreiro, ela ensina às crianças tudo o que aprendeu desde pequena. E aprende com elas também.
Para a pesquisadora e museóloga Fabiana Barbosa, os museus ampliam e constroem um território mais rico, humano e conectado com seu povo, através da cultura.
“São espaços vivos que nascem da própria coletividade e da força dessa cultura Cariri. E eles contribuem diretamente para a transformação das cidades quando valorizam memórias, identidades, esses modos de vida e saber fazer desses mestres e mestras guardiões e guardiãs que são tesouros vivos da cultura do Ceará e motores de toda uma economia criativa que impulsiona o turismo, gerando renda e proporcionando outras oportunidades para suas comunidades”.
A música que nasceu na roça: Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto
Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto já chegou à quinta geração de músicos.
Arquivo pessoal
A casa onde viveu Mestre Raimundo Aniceto virou o primeiro museu orgânico do Crato. A Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto, hoje na quinta geração, é patrimônio cultural que nasceu entre agricultores e índios Kariris.
“São características folclóricas que a gente ainda preserva. A banda nasceu na roça, animava os pés de serra. É uma música que transmite inspiração. É paz, alegria!”, resume José Adriano Aniceto, atual mestre da banda.
Nas paredes, memórias emolduradas: retratos de uma banda que pulsa com o coração do Cariri. Cada fotografia conta um pedaço da história — risos, ensaios, festas, encontros.
O som do pife e da zabumba ecoa como um chamado ancestral. Para muitos, é como voltar à infância, ao terreiro da casa da avó, onde a alegria não precisava de convite.
Hoje, a casa virou ponto de encontro. Gente de todo canto chega curiosa, emocionada, querendo aprender, sentir, viver. Aulas, oficinas, trocas de saberes — tudo regado ao compasso da tradição.
Bacamarteiros da Paz: tradição que ecoa em Juazeiro do Norte
Liderados por Mestre Nena, os Bacamarteiros da Paz mantêm a tradição das comunidades nordestinas como uma forma de devoção popular.
Secult/CE
No bairro João Cabral, em Juazeiro do Norte, o som estridente do bacamarte anuncia a chegada do grupo liderado por Mestre Nena. O Museu dos Bacamarteiros da Paz chama atenção pela arquitetura colorida — e pela força da tradição. Nas apresentações eles disparam suas armas, munidas apenas de pólvora seca. Essa prática cultural foi incorporada pelas comunidades nordestinas como uma forma de devoção popular.
O museu é o único do estilo no Ceará, motivo de orgulho para mestre Nena.
“Comecei com 12 anos. Hoje são 56 anos de cultura”, conta o mestre, que recebe grupos de todo o Brasil para eventos no espaço.
Os caretas de Potengi: máscaras, música e resistência
Criado em 1930, o grupo Caretas de Potengi é o único no Ceará a usar máscaras de couro.
Arquivo pessoal
Na comunidade de Sassaré, em Potengi, a casa de Mestre Antônio Luiz virou museu em 2018. Ele lidera os Caretas de Potengi, grupo criado em 1930 e único no Ceará a usar máscaras de couro. São 14 integrantes. Eles fazem apresentações mensais.
“Eu me sinto realizado, já fui reconhecido mestre da cultura e já veio gente de toda a América até aqui”, diz o mestre, orgulhoso. Aos sessenta e oito anos, ele continua com as apresentações. No Dia de Reis, os caretas tomam as ruas em cortejo, misturando espanto e admiração por onde passam.
Para o historiador José Saymon, o reisado de caretas resiste bravamente ao avanço tecnológico. E segue firme, como a própria cultura do Cariri.
“O reisado de caretas de Potengi permanece resistindo a todas essas transformações da vida moderna, reafirmando essa cultura popular, sua memória, saberes e fazeres. Quando o grupo faz apresentações, ele afeta as pessoas, carrega essa essência, da sua tradição e ancestralidade. Ele traz a comicidade, o fazer artístico de forma alegre. O espetáculo é interativo”, explica o historiador.
Como nasce um museu orgânico: o olhar que transforma casas em memória viva
Mestra Zulene em frente à placa que registra a sua casa como um museu orgânico, no Cariri.
Arquivo pessoal
Em todo o Ceará são 24 museus orgânicos. Antes de virar museu, cada casa passa por um processo delicado — quase artesanal — de escuta e reconhecimento. Não basta ter objetos antigos ou histórias marcantes. É preciso que o espaço respire cultura, que o mestre se reconheça como tal, e que a comunidade o veja como guardião de saberes.
Esse é o papel da curadoria feita pelo Sesc Ceará, que vai muito além de uma seleção técnica. “O mestre tem que se reconhecer como mestre. A comunidade tem que reconhecer que ele é um mestre. E terceiro, que ele tem que morar na sua casa própria”, explica Alemberg Quindins, gerente de cultura do Ceará e um dos idealizadores do projeto.
A equipe vai a campo, conversa com os moradores, observa os detalhes do cotidiano e mergulha na história local. Cada visita é uma troca: os agentes culturais escutam, aprendem e ajudam a organizar o que já está ali — vivo, pulsante, mas muitas vezes invisível aos olhos de fora.
A curadoria é feita junto com o mestre. “Ele sabe quais são os objetos mais sensíveis que marcam a história dele”, reforça Quindins. E é justamente essa escuta que transforma o projeto em algo único: não se trata de impor uma narrativa, mas de revelar o que já existe, com respeito e afeto.
O resultado é um museu que não se parece com nenhum outro. Não tem corredores silenciosos nem vitrines frias. Tem som de risada, de instrumentos tocando e histórias contadas olho no olho, com as marcas de quem as viveu. É um espaço onde o passado encontra o presente — e prepara o futuro.
Assista aos vídeos mais vistos do Ceará

Fonte

#Mestres #cultura #transformam #tradições #patrimônio #Cariri

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *